terça-feira, abril 05, 2005

O Sonho de Belém em Timor

Nasci ali em Belém a cerca de 150m do Estádio do Restelo no velho casario que parecia estabelecer fronteira, com a zona mais nobre do Bairro dos ricos. Por entre cardos, algumas oliveiras, e o riacho que corria paralelo em direcção à Casa Pia assisti incrédulo às (para mim) intermináveis obras da construção do estádio. Sou descendente de uma família tipicamente portuguesa(lampiões)avós lampiões, pai lampião, irmão lampião,mas esta mania de ser diferente que em mim se instalou logo de pequenino, tudo alterou. Cresci ali na Alcolena a assistir à construção do nosso Restelo, enquanto mais longe se verificava a lenta agonia das gloriosas Salésias, onde se disputavam os últimos encontros do nosso Belém. O azul símbolo de tudo o que de bom a natureza nos deu, estava-me destinado, além de que Belém era na época a capital do Império. Hoje Belém é "apenas" a capital de Portugal, os tempos mudaram. Também a importancia do nosso Belenenses tem decrescido. Mas em Belém (como eu costumava dizer na juventude) está tudo o que é realmente importante neste País, Os Belenenses, Os Jerónimos, a Torre de Belém, o monumento dos descobrimentos, os Pastéis de Belem, o Palácio Presidencial, eu, e o Estádio do Restelo. Haveria por ventura razão mais forte para ser Belenenses, para ser azul?l? Não confundir, os outros azuis , os do norte são às ricas. É claro que contra todos os desejos familiares, o puto cêdo partiu para a descoberta dos segredos do Restelo acabadinho de inaugurar com um Belenenses vs Sporting, e mais um show do maior de todos os tempos-Sebastião Lucas da Fonseca. Aprendi à custa de muito trabalho, como ludibriar o velho Manuel do Campo, o "chaveiro" e o Feijão e poder dar uns toques no ring de Hoquei e andebol. O Restelo era a minha casa, tantas horas de glória ali vivi, e tanto suor e algum sangue derramei... Foram aí, e no lodaçal das piscinas do Jardim Colonial(escola de natação do Belenenses) as minhas primeiras aventuras desportivas. Aos 10 anos e aos fins de semana, já só ia a casa para engolir qualquer coisa à pressa, pois logo tinha de voltar para tudo ver e aprender. Alguns dos meus idolos dessa feliz infancia, foram poucos anos mais tarde meus companheiros de jogo, tanto no andebol, como no basquetebol. Começava ao sabado às 8h e terminava no domingo as 18h se o jogo do Belém fosse em casa. Durante a semana, voava como o "Passaro azul", ou imitava as fintas do Yaúca, que vivia num 2º andar à frente da minha casa, e cujas tardes sem treino eram passadas na varanda a ver-nos jogar e a ouvir merengues, acompanhados de umas cervejitas. Com a vinda do treinador Helenio Herrera, que tinha um filho da nossa idade lá conseguimos autorização para umas jogatanas no ring (onde hoje está o Complexo das Piscinas) por cima da casa do treinador. Sempre era o filho do Mister!! Os grandes jogadores azuis, eram nossos vizinhos, e com eles conviviamos com naturalidade, muitos por ali casaram,como o Matateu, o Yauca e o Abdul, mas tarde o Ernesto cenoura, o Vitor Silva e outros. Belem era de facto importante, O Belenenses, estava no auge, e os seus jogadores permaneciam no Clube por tantas épocas que muitos só conheceram aquela camisola. E para nós era de caras decorar a formação do "team", e quando aos domingos nos ronfelhos altifalantes o locutor de serviço anunciava a constituição da equipa logo um coro de juvenis gargantas exclamava em unissono, Jose Pereira...Pires...Paz...Moreira...Vicente....!!! Ah Belém, das naus,dos pastéis, das castanhas assadas transportadas em sacos de sarapilheira. Belém dos barcos cacilheiros apinhados de gentio da Trafaria e do Porto Brandão para vir assistir aos jogos, do seu Cluube de eleição. Hoje os tempos não permitem sonhos desses, e quando leio que alguns azuis mais jovens lamentam a pretensa saída do Antchouet, ou de outro, como se de crime se tratasse, sinto nostalgia e vontade de que certas coisas voltassem a ser como eram. Enquanto atleta amador do Clube, tive por entre portas e travessas muitas propostas para Benfica e Sporting a ganhar o que o Belém nem sonhava vir a pagar, mas sempre recusei. Embora tenha ganho alguns títulos com outros emblemas, quando no serviço militar em Timor, só vesti outras camisolas porque não havia Belenenses!!Essa foi a razão pela qual joguei no Benfica de Dili e no Sporting de Timor. Foi com grande satisfação e quase em acto de penitência que tive a possibilidade de repor as coisas no seu devido lugar. Em 1973, quando deixei Timor, haviam o Benfica, o Sporting, a Académica, o Clube Café de Ermera e o União de Dili. Em 2003, quando lá voltei, foi para lançar a primeira pedra, da que é hoje a Sede da nossa Filial nº48 O Clube de Futebol Cruz de Cristo do Oé Cusse Timor Leste.

1 comentário:

Luis Lacerda disse...

Caro Alfredo,

peco-lhe desculpa pelo atrevimento, mas vou publicar este seu artigo no meu blog !!!!
Emocionou-me !!!!
Um abraco